São constantes as minhas viagens para aqueles lados de Minas Gerais. Boiadeiro de longa data, herança de meus antepassados, levo, juntamente com meus companheiros de profissão, a boiada pras fazendas mais longínquas.
A estrada, por onde passamos mensalmente, tem suas particularidades. Além da paisagem que enche os olhos, numa das terras que temos de atravessar, há uma porteira logo abaixo do nome frondoso da fazenda “Ouro Fino” e nela sempre tínhamos a nossa espera um menininho com seus 8 anos, franzino, muito sorridente e cheio de disposição para nos ver e, principalmente, para me ouvir tocar berrante.
Logo que ouvia nossos primeiros ruídos, vinha correndo de sua casinha e subia na porteira, abrindo-a com o balanço de seu corpo para que passássemos sem precisarmos apiar do cavalo. Era engraçado porque não era gratuito esse serviço. Como dito, ele queria era ouvir o som majestoso de meu berrante: “Toca o berrante, seu moço, que é pra eu ficar ouvindo”, era a voz rouca daquele garoto de cima de sua porteira... com prazer e grande alegria, eu tocava aquele berrante pra fazer a alegria do menino e ainda lhe jogava uma moeda, tinha dó de vê-lo daquele jeito, aparentemente tão pobre, mas com um coração enorme e uma vontade de ser alguém na vida. Assim o foi também em nossa viagem de alguns meses atrás.
Não sabia que seria a última vez que o veria.
Em nossa volta, já só os cavaleiros, não o avistei correndo e nem tampouco abrindo caminho para nossa passagem. Logo pensei que o garoto pudesse estar doente, acamado ou com outro problema qualquer.
Galopei até sua humilde casinha e encontrei-me com sua mãe, aos prantos, triste e sem forças para as labutas do dia. Muito sem jeito, perguntou-me se não tinha visto na estrada uma cruz branquinha, bem pequenina. Não tinha visto, fiquei atento àquela ausência do menino que nem atinei em ver coisa alguma. Que golpe para o meu coração foi a revelação de que o seu filho tinha sido atacado por um boi bravo. Ele não teve como escapar, não tinha forças para vencer aquele bicho tão grande. Morreu pouco depois do primeiro golpe...
Sinceramente, não sabia como agir diante daquela mãe que chorava e lamuriava, com razão, a perda de seu único filho que tinha toda a vida pela frente. A maneira que encontrei foi lhe oferecer meus pêsames e alguma ajuda financeira, que ela recusou. Disse que dinheiro algum poderia trazer seu filhinho de volta.
Com lágrimas nos olhos, saí daquele casebre e fui contar o ocorrido aos meus companheiros e, num relance, vi tão pequena cruz à beira da estrada, local onde o “meu” menino da porteira havia sido atacado por um boi feroz.
Infelizmente, não tinha como desviar daquele caminho em minhas viagens. Passava pela estrada, avistava o sinal da morte, fazia o sinal da cruz, lembrava do garoto e não ousava tocar meu berrante por aquelas bandas. Causaria muita dor à mãe ouvir o som que tanto fazia bem ao seu menino.
Nunca me esquecerei do pequeno.
Que Deus permita que algum boiadeiro toque seu berrante no céu para alegrar o coração do menino da porteira.
Profª Taíse
17 de março de 2010
(fiz esse texto para exemplificar uma atividade que eles tiveram de fazer: transformar uma canção em prosa)
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